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29.6.10

Exortação


Negro
para quem as horas são sol e febre
que colhes
nesse ritmo de guindaste.

Negro
para quem os dias são iguais
que respeitas teu patrão e senhor
como água que mexe o engenho.

Negro!
Levanta os olhos prao sol rijo
e ama tua mulher
na terra húmida e quente!

Francisco José Tenreiro
São Tomé e Príncipe


28.6.10

Mulher



quando o ventre é o mar
quando o ventre é a água
salgada
numa boca
quando o ventre é a fonte
quando o ventre é a forca

Yvette K. Centeno

Onde Estão os Homens Caçados Neste Vento de Loucura



O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Aí o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Aí, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
Nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando p'la vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
... Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
- Que fizeste do meu povo?...
- Que respondeis?
- Onde está o meu povo?...
E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...

Alda do Espírito Santo
S. Tomé e Príncipe

26.6.10

Poema

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vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,
e a noite se faz barco,
e a minha mão marinheiro.

Eugénio de Andrade

25.6.10

Torresmos à machimbombo queimado



À partida o machimbombo parecia
um ónibus lotado de gente
em viagem.

Lá para o quilómetro 20 a oeste da Gorongosa
chaparia e respectivo tejadilho ficaram
fuliginoso similar de frigideira
fritando várias doses de torresmos
derivantes fósseis de passageiros
interrompidos antes da terminal.

Sobra este prosaico odor da sintomática
machimbombesca fotocópia de esquife.

O impaciente estardalhaço dos tiros
ainda por cima esfrangalhou o original.

José Craveirinha
Moçambique

Xirico



As Palavras Amadurecem

domesticadas asas estrebucham
o ancestral sonho sitiado que
a exiguidade geométrica da gaiola calca
enquanto ouvimos rádio na sala de estar

dura um instante infinitesimal a pausa do locutor
e nesse vazio
breve
oportuno
subversivo o pássaro entoa as cores do arco-íris
os sons fluem em cascata através dos arames
e estacam na sala
- vá tu saber se o bicho está triste ou alegre"

XIRICO: pássaro e marca de transístor muito popular

Simeão Cachamba
Moçambique

Prólogo



O tempo, esse pequeno escultor,
prolongou-te os gestos
até à exaustão, ao limite do escárnio,
ao inoportuno reclame daquele
que vai morrer e não morre
e fala demasiado sobre o silêncio do seu grito.

Paciência. Não poderia ter sido de outra
maneira. Há uma infância parada,
onde o cadáver de deus
nada quer dizer. Sim, tem chovido muito.
Mas que saberá destas mesmas horas
o gato negro que a tua mão já não encontra?

Deténs-te, usas palavras vãs, despedes-te.
Sabes que foi sempre assim.

Manuel de Freitas

24.6.10

Terra-Longe



Aqui, perdido, distante
das realidades que apenas sonhei,
cansado pela febre do mais-além,
suponho
minha mãe a embalar-me,
eu, pequenino, zangado pelo sonho que não vinha.

"Ai, não montes tal cavalinho,
tal cavalinho vai terra-longe,
terra-longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente"

A doce toada
meu sono caía de manso
da boca de minha mãe:

"Cala, cala, meu menino,
terra-longe tem gente gentio
gente-gentio come gente".

Depois vieram os anos,
e, com eles, tantas saudades!...
Hoje, lá no fundo, gritam: vai!
Mas a voz da minha mãe,
a gemer de mansinho
cantigas da minha infância,
aconselha ao filho amado:

"Terra-longe tem gente-gentio,
gente-gentio come gente".
Terra-longe! terra-longe!...
- Oh mãe que me embalaste
- Oh meu querer bipartido!

Pedro Corsino Azevedo
Cabo Verde

23.6.10

Marginal do teu corpo (a confissão do outro)



No teu corpo adormeço
Horas longas permaneço
No asfalto da noite…
Revejo cenas do dia

Repasso actos alheios
Extasiado!
Vejo-te…virgem… Beijo-te nua
Serena só para mim!

Viro-me todo… Abro tudo…
Cuidados me cercam
Tuas curvas lânguidas… imagino:
– invejo o prazer alheio:
– deixo fluir as mágoas
Beijam-me águas luandinas
Na curva da madrugada…

Sinto a maresia
A farfalhar-me o ouvido
Solto-me…Venho-me…
Esqueço-me de tudo!
Tudo esqueço
Até minha condição precária!

Isabel Ferreira
Angola

Despedida


Parto para encontrar com o esquecer-te
Deixo-te todos os meus sonhos
Para que continues a escrever tua vida
Rasuro as palavras que não te disse
Calo os beijos que tanto te desejaram
Enganei-me, ludibriei-me, falseei-me
O tempo nada decidiu, nem definiu
Não quero mais qualquer porta aberta
E nem o meu caminho a te aguardar
Recolho os meus delírios e quimeras
As confissões tolas que te fiz
Entre sorrisos, disfarçando verdades
Calo-me porque meus lábios e mãos

Não mais te redimem de teus temores
Ou te resgatam de ti mesmo
Em meio as tuas indecisões e escusas
Foste adiando o conjugar do meu amor
No tempo presente que a ti se oferecia
Amor que te pronunciava em meus versos
Declarando anseios e desejos insones
Imaginavas que eram meus poemas
Os silêncios das minhas fantasias
Libertos da asfixia das minhas mãos

A saudade invasora e condescendente
Ainda busca um motivo para permanecer
A memória da ilusão declama teu último poema
E fantasia-me em tuas linhas e letras
Como se eu fosse a que toca tua inspiração
As mãos teimam em acariciar os teus gestos
E as palavras que foram sussurradas
Nos sonhos do meu corpo que te embalava
Quando apenas a lua sabia de mim
E ruborizava, adivinhando intenções

Toco os meus lábios e neles já não sorris
Há um gosto de despedida em meus olhos
No meu lamento nem mesmo a lágrima
Acaricia a solidão do meu rosto
Soluça em minhas mãos o gesto
Que confinaste no cárcere do talvez
Apenas isto e tudo que não houve
Como a me confirmar que sempre foste
Uma irônica possibilidade de felicidade
Paralela do infinito em meu destino.

Fernanda Guimarães
Brasil

19.6.10

Tontura




ainda apagam pálpebras de volta à tontura
ainda o sentimento da nossa longa história
a ruína vai da notícia à revolução
palavras mortas nunca mais preenchidas
os rios demorados no sintoma dos países
e tudo passa e o poema indaga
o dia que acontece como uma ruína.

João Tala
Angola

Mesquita Grande




Neste raso Olimpo argamassado em febre
e coral, o Deus maior sou eu. Por mais
que as pedras, os muros e as palavras afirmem
outra coisa, por mais que me abram o corpo
em forma de cruz e me submetam a árida

voz às doces inflexões do cantochão latino,
por mais que a vontade de pequenos deuses
pálidos e fulvos talhe em profusas lápides
o contrário e a sua persistência os tenha
por Senhores, o sangue que impele estas veias

é o meu. Pórticos, frontarias, o metal
das armas e o Poder exibem na tua sigla
a arrogância do conquistador. Porém o mel
da tâmaras que modula o gesto destas gentes,
o cinzel que lhes aguça a madeira dos perfis,

a lenta chama que lhes devora os magros rostos,
meus são. Dolorido e exangue o próprio
Cristo é mouro da Cabaceira e tem a esgalgada

magreza de um velho cojá asceta.
Raça de escribas, mandai, julgai, prendei:
Só Alah é grande e Maomé o seu profeta.

Rui Knopfli
Moçambique

De súbito o implorável, a mão está




De súbito o implorável, a mão está
presa para sempre à luva ou será esta
que sem remédio prende a mão suada?
“não importa” diremos, no entanto, convictos
de trágica importância da luva presa à mão,
da mão rígida, imbecil, fechada,
pronta para o atentado, incapaz de defesa,
da mão imprópria para o cumprimento,
para a carta de amor, para o poema,
da mão de gala, solene e enluvada.
A mão jaz decepada e, no entanto, vestida,
luxuosíssima mão de primeiríssima classe,
mas inútil, quebrada,
enluvada e distinta, na valeta.

António Rebordão Navarro


18.6.10

A torto e a direito



Sussurram tempos e contrariedades,
caem dias a torto e a direito.
Fica quem tudo a eito leva,
e não quem de todo a nada chega.
Escondo-me atrás de mim
e vejo-me tinto no copo,
do olhar do mundo afastado.
Olho-me e ouço as cousas ficarem
no fluir de um sussurro, no osso
de um momento, teus lábios
fugidios na ponta da noite além
onde me aconchego e escondo,
torto em sábios dias aí tecidos,
aqui direito em nós de luz.

Adriano Alcântara
Moçambique

De manhã cedo



De manhã cedo
acordas
para lavar a roupa
que trazes suja
no teu pensamento
esfrega esfrega esfrega

Joaquim Falé
Moçambique

Uma canção de primavera


Nesta flor sem fruto que aspiramos
Eu vejo coisas que ninguém descobre:
Vejo a raiz, o caule, os ramos,
Vejo até o sulfato de cobre.

E vejo coisas que ninguém mais vê:
Vejo a flor a desenhar-se em fruto
E quer ela o dê ou o não dê
É esse o fim por que luto.

in Permanência

Antero Abreu
Angola

Tudo o que foi quase um poema


Tudo o que foi quase um poema veio com o teu âmago
e talvez seja essa febre interior que te faz
corrigir com as lágrimas a posição
dos guaches.

Adriano Botelho
Angola

Do mar o incriado nasce



A ilha existe não porque a achasses
mas porque a nomeias coração do vento
capaz deste segredo vontade grega
de amar o que a alma intui e cria.

E de tal modo ela seria e é desejo
que tudo esqueço para vê-la nua
devir do sentido no seu sentido vago
louco amor agreste que a utopia apela.

Na ausência de limites para o que sonhas
vacilante avanço ágil mas sem asas
sem medida luz do fragmentado verbo.

Rio e choro sendo a máscara e o rosto
Nomeado língua capaz do que não sei
Suspenso o tempo do mar o incriado nasce.

(Ilha de Moçambique, 1952)
Duarte Galvão / Virgílio de Lemos
Moçambique

17.6.10

Saudades de África



A cada dia descubro o meu amor por África
África da minha vida
África por mim amada

E sonho
Numa África sem preconceito
Onde a vida tem sentido
Onde tudo é maravilhoso

Quero recordar
Esta África dos mufanas inocentes
Das mamanas do bazar
Onde se encontra a felicidade

E quero voltar
À casa onde cresci
Ir ao liceu onde estudei
E as belezas da minha terra escrever

Apetece-me correr pelos becos da Mafalala
Beber a sua da Zambézia
Ouvir o som do tufo em Nampula

Desta África tenho saudade
Pois por lá encontrei a felicidade
E deixei muitas amizades

Não sei se é ilusão
Talvez seja uma visão
Mas por África tenho paixão

Dário Caetano de Sousa
Moçambique

16.6.10

Muna Ulunga da brevíssima existência




sinto em mim oposto ao medo
- lá para dentro minha pedra (brevíssima existência) -,
o viver silenciado
como se desta vez a existência
abrisse a alma que o guia muna ulunga
a calma mas próxima função
conduz-me anunciando a sedução
a noite ganha razão
como ferida a glória no duro labirinto
muito perto do sofrer
morre em mim oposto a amargura
a doçura da vida espumas de luz lá para diante:
o fracasso, a desonra. que importa a vitória
talvez sobre os dias porque alguém me esmaga a cidade
pó só pó sobre os ombros da morte o vazio
efectivamente intervalo de noites a brevíssima,
inacreditável existência (a pedra) já nada seduz

Abreu Paxe
Angola

15.6.10

Nasceu em mim uma fonte



Nasceu em mim uma fonte
nada sabia dessa água
até encontrar as margens
desta escrita
que quis fosse lisa
como pedra mármore

Maria Alexandre Dáskalos
Angola

12.6.10

Depois da meia-noite




...quando oiço olhos da noite tiritar
do frio das vozes surdas - nossas - a olhar
desperto assanhado. em chamas rituais de mahamba
... o sexo sangra e a aurora nasce sempre!...

Conceição Cristóvão
Angola

11.6.10

O tocador de violino


Tocar é o seu destino.
toca mal, com as pobres mãos doridas
de velhice e miséria.

Mas que importa? Tocar é o seu destino,
tocar é uma coisa séria.

É um velho e toca violino.
passa na minha rua ao pôr do Sol,
e, quando a tarde é calma,
pára e abre a porta da gaiola
ao trémulo e cansado rouxinol
que tem na alma.

Fernanda de Castro

8.6.10

Meditando



- engoli dum espinheiro um grande raminho -

&

da tese concebida ao prefácio por escrever
teço toc toc enquanto toco levemente o provir
d'outra gestão
daí a cor do sangue escasso caro irmão protestante
que tão bem partes os passeios que passeio
assim que passo passo a passo me ditando!

Lopito Feijoó
Angola

7.6.10

Poesias



Quando eu morrer
não me dêem rosas
mas ventos.

Quero as ânsias do mar
quero beber a espuma branca
duma onda a quebrar e vogar.

Ah, a rosa dos ventos
a correrem na ponta dos meus dedos
a correrem, a correrem sem parar.
Onda sobre onda infinita como o mar
como o mar inquieto
num jeito
de nunca mais parar.

Por isso eu quero o mar.
Morrer, ficar quieto,
não.
Oh, sentir sempre no peito
o tumulto do mundo
da vida e de mim.

E eu e o mundo.
E a vida. Oh mar,
o meu coração
fica para ti.
Para ter a ilusão
de nunca mais parar.

Alexandre Dáskalos
Angola

3.6.10

De certo modo os destroços palavras




de igual modo as partículas invariáveis traços lábias
sempre há uma mulher no mal
por isso trepo meu olhar pelas paredes e pelo tecto
o último cruzar de pernas
zona prestigiada o eixo compreendia o acento de intensidade
junto todos os sentidos no modo algum tempo exacto
sem esquecer na via erudita expressão
o étimo uma mesa com o portal aberto
outro reino de certeza
a comunicação oficial adoptou o berço língua lençol
tanto tempo sonorizado
estava inscrito nas fronteiras este período
das alíneas funções sintácticas
diferenças dos pares vocabulares
nascem outras partículas variáveis destroços

Abreu Paxe
Angola

Confirmações




Um corvo de remota idade e fatigado brilho
vem morrer à beira-mar.

Aguarda atento
que a luz propícia desça no horizonte
para entregar-lhe a força derradeira
numa surtida de acerada angústia.

Descaem-lhe do dorso opaco e magro
as digitais membranas:
acumulam detritos de excremento branco.

Sobe-lhe à tona o olhar antes profundo
a vomitar o fluido da ansiedade.

Projecta-se disperso à contra-luz.
Reduz-lhe o contorno ardendo ao sol poente.
Entra no sonho às cegas ganha altura
e tomba leve e negro no areal fictício.

Breves segundos mais
para que o vento alcance a história curta.

Depois renasce em escamas de carvão.


Ruy Duarte de Carvalho
Angola

2.6.10

Junho


Viver com os outros
Ouvir a voz dos outros
Sentir o calor dos outros
Há beleza em tudo
desde que haja vida
mesmo sumida
num disfrace de entrudo
E, em nós tanto calor
A fresca noite entrou
É Junho, amor!

Saúl Dias

Anti-Lirismo Inútil


Não alfabetizes as palavras.
Lê-as uma por uma, meu amor,
e solda o sentimento ao que elas
juntas e despidas te dizem.

Lindo o verso
faz-se do alfabeto momentâneo
que desejamos liricamente
folheando o livro dos sinónimos.

Mas o poema
esse organiza ou ressuscita
visceral consoante a humildade
com que somos mexoeira do fértil chão
o legível som exterior do xitende
o plasma longínquo dos tambores
ou a espancada
consciência do homem vivo.

José Craveirinha
Moçambique

1.6.10

Donde terá saído?



Donde terá saído
donde terá saído
mas donde vieste
ventania de S. Bartolomeu
que me separou
dos meus

Odete Costa Semedo
Guiné-Bissau