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28.1.10

Namoro



Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calcada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as mocas mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.

Viriato da Cruz
Angola

Esperança



Por entre as margens da esperança
/e da morte
meteste a tua mão
e
eu vi alongados nas águas
os dedos que me agarram
em lagoa de um sonho
corpo de jacaré
é soturna jangada de palavras
/secas
por entre as margens da esperança
/e da morte

Arlindo Barbeitos
Angola

27.1.10

Meu Sonho



Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso…
E galopas do vale através…
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?…
Tu escutas… Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? – que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
O Fantasma
Sou o sonho da tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!…

Álvares de Azevedo
Brasil

Os mestres do mundo



Vieram
levaram tudo
o sonho
a esperança
a vida
até a realidade varreram
e na azáfama da fuga
o vazio arrancaram
com medo que engendrasse
os genes da vida
a luz
e os seus gestos denunciassem

Eles...
os mestres do mundo
afogaram o sonho
enforcaram a esperança
apagaram a vida
com um sopro
um estalar de dedos
um sacudir de ombros altivo…

Senhores de todos os destinos
intocáveis
nas suas torres de cristal
roubadas ao suor alheio
vieram
levaram tudo
o riso
o pranto
o fôlego
até os rostos desfigurados pela dor
e na azáfama da fuga
os olhos arrancaram
para que não os vissem
e com o olhar os condenassem

Eles…
os mestres do mundo
prenderam o riso
amarraram o pranto
asfixiaram o fôlego
num gesto louco
de um estalar de chicote
o olhar altivo...

Deuses do universo
senhores de todos os destinos
decidindo a vida e a morte
vieram
levaram tudo
a dignidade
a modéstia
a honestidade
até o pensamento esvaziaram
e na azáfama da fuga
a consciência perderam
por não lhe suportarem o peso

Eles…
os mestres do mundo
violaram a dignidade
enterraram a modéstia
venderam a honestidade
num abrir e fechar de olhos
como num truque de magia
o semblante altivo…

Senhores absolutos
inverteram a escala de valores
à luz da própria imagem
vieram
levaram tudo
o pão da boca do faminto
o tecto do desabrigado
até a História apagaram
deixando apenas no seu rasto
humilhação
impotência
revolta
que o povo na dor afoga
por iguais armas não possuir
para combater tal violência
que de igual
só tem o ódio
fruto mudo
da fúria destrutiva!

Eles
os mestres do mundo
criminosos impunes
de consciência tranquila
barriga farta de ganância
o peito inchado de razão
da legitimidade usurpada
inconscientes da própria ignorância !!!

Filomena Embaló
Guiné

26.1.10

O sol nasce a oriente


Povo, de ti canto o movimento
teu nome, canção feita de fronteiras
lua nova, javite ou lança
tua hora, quissange em trança

Do longo longe do tempo
arde minha flecha, meu lamento
minha bandeira de outro vento
aurora urdida nos lábios de Zumbi

De ti guardo o gesto
as conversas leves das árvores
a fala sabia das aves
o dialeto novo do silêncio
e as pedras, as palavras do medo
os olhos falantes da mata
quando a onça posta a sua arte
nos fita, guardada em sua mágoa.

De ti amo a denuncia felina
das tuas mãos quebradas ao presente
a dança prometida do sol
nascer um dia a Oriente

David Mestre
Angola

Eu sei, não te conheço mas existes.



Eu sei, não te conheço mas existes.
por isso os deuses não existem,
a solidão não existe
e apenas me dói a tua ausência
como uma fogueira
ou um grito.

Não me perguntes como mas ainda me lembro
quando no outono cresceram no teu peito
duas alegres laranjas que eu apertei nas minhas mãos
e perfumaram depois a minha boca.

Eu sei, não digas, deixa-me inventar-te.
Não é um sonho, juro, são apenas as minhas mãos
sobre a tua nudez
como uma sombra no deserto.
É apenas este rio que me percorre há muito e desagua em ti,
Porque tu és o mar que acolhe os meus destroços.
É apenas uma tristeza inadiável, uma outra maneira de habitares
Em todas as palavras do meu canto

Tenho construído o teu nome com todas as coisas.
tenho feito amor de muitas maneiras,
docemente,
lentamente
desesperadamente
à tua procura, sempre à tua procura
até me dar conta que estás em mim,
que em mim devo procurar-te,
e tu apenas existes porque eu existo
e eu não estou só contigo
mas é contigo que eu quero ficar só
porque é a ti,
a ti que eu amo..

Joaquim Pessoa

25.1.10

Eu Tenho os Dias Claros




para o António

Eu tenho os dias claros
de sucessivas luas de Setembro
e a noite que me impõe sinalizar
as direcções cruzadas das mensagens verticais.

Eu estou parado no meio do terreiro
pastado dos meus passos e da minha gente,
ando a ganhar noções de translação
e a medir, pra meu governo, a cor do sol.

Eu entardeço, sobretudo, pouco atento ao vento
que não devo perturbar na sua rota alheia.
Permito, quando muito, que me sinta o cheiro
e deixo-o desfazer, furtivamente, molhos já secos de memória
fêmea.

Eu finjo que não sei de elásticas tensões da claridade
e a cada passo meu faço estalar
membranas frias que a tarde debruou em rente azul.

Entendes, companheiro,
eu estou aqui sentado e nu
a procurar não ir além da bárbara carícia
de um olhar sem tacto

e que nem uma lágrima machuque
a capa muito fina da lembrança
que tenho para dar-te.

Ruy Duarte de Carvalho
Angola

A parasceve



A parasceve
hei de chorar amargamente

É noite
em plena
tarde

e treme
toda
a terra

rasga-se

o véu do
Santo
re-
surgem
os mortos...

e tanto
não bastou

a tanta solidão...

oh mundo
fero

tão longe
do Senhor

e imerso
em Azrael...

jamais
houve
na Terra

maior
desamparo...

e
uma
tênue
esperança

repousa
além

do abismo
e por um fio
na palavra
da Palavra

Marco Lucchesi
Brasil

23.1.10

Calendário

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Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias.

Henriqueta Lisboa
Brasil

22.1.10

Se este poema fosse



Se este poema fosse mais do que simples
Sonho de criança...
Se nada lhe faltasse para ser total realidade
Em vez de apenas esperança...
Se este poema fosse a imagem crua da verdade,
Eu nada mais pediria à vida
E passaria a cantar a beleza garrida
Das aves e das flores
E esqueceria os homens e as suas dores...
– se este poema fosse mais do que mero
sonho de criança.

Ai meu sonho...
Ai minha terra moçambicana erguida –
Com uma nova consciência, digna e amadurecida...
A minha terra cortada em sua extensão
Por todas essas realizações que a civilização
Inventa para tomar a vida humana mais feliz...
Luz e progresso para cada povoação perdida
No sertão imenso, escolas para crianças,
Para cada doente, e assistência da ciência consoladora,
Para cada braço de homem, uma lida
Honrada e compensadora,
Para cada dúvida uma explicação,
E para os homens, Paz e Fraternidade!

Ah, se este poema fosse realidade
E não apenas esperança!
Ah, se o fosse o destino da nova humanidade
A cantar então a beleza das flores,
Das aves, do céu, de tudo que é futilidade –
Porque a dor humana então não existiria,
Nem, a infelicidade, nem a insatisfação,
Na nova vida plena de harmonia!


L. Marques, 29/5/1949 (Vera Micaia)

Noémia de Sousa
Moçambique

20.1.10

A galinha espertinha

Era uma vez uma galinha
Que entrou pela cozinha,
Onde havia uma panela,
Mas sem nada dentro dela.
Ouviu, então,
A voz fraquinha do patrão
Dizendo à cozinheira:
- "Não se arranja
Por aí uma canja?
Estou cheio de fome."
Pôs a galinha um ovo e disse: - Come."
E fugiu sem demora,
Antes que lhe chegasse a derradeira hora.


António Manuel Couto Viana

Acordo Ortográfico


Gosto do teu rosto exacto,
com o cê bem desenhado,
mesmo quando não se vê,
para te pôr, como laço
nos cabelos, o circunflexo
em que nenhum traço há-de
sair, mesmo que um pacto
roube o pê nessa pose
de pura concepção.

Nuno Júdice

19.1.10

A Casa

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha tecto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero

Vinicius de Moraes
Brasil

Em silêncio



Talvez assim eu possa finalmente
Segredar-te as palavras que não soube
Dizer-te no momento em que te vi
Pela primeira vez e, de repente
O mundo foi tão grande que não coube
Na minha voz e logo emudeci

Torquato da Luz

18.1.10

Ausência


Construímos a casa, alheios ao medo,
por entre a solidão e o arvoredo.
Uma varanda dava para o mar.

Depois chegou a noite e o enredo
do escuro se infiltrou como em segredo
por todos os recantos do lugar.

Foi quando tu partiste e muito cedo
dei por falta de ti e do luar.

Torquato da Luz

Sinfonia


A melodia crepitante das palmeiras
lambidas pelo furor duma queimada

Cor
estertor
angústia

E a música dos homens
lambidos pelo fogo das batalhas inglórias

Sorrisos
dor
angústia

E a luta gloriosa do povo

A música
que a minha alma sente

Agostinho Neto
Angola

Poema


fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

José Luís Peixoto

17.1.10

Em Sintra



As águas maravilham-se entre os lábios
e a fala, rápidos
em Sintra espelhos surgem como pássaros,
a luz de que se erguem acontece às águas,
à flor da fala
divide os lábios e a ternura. Da linguagem
rebentam folhas duma cor incómoda, as de que
maravilhado de água surges entre
livros, algum crime, um
menino a dissolver-se ou dele os lábios e ergues
equívoca a luz depois. Rápidos
espelhos então cercam-te explodindo os pássaros.

Luís Miguel Nava

16.1.10

O Poema da casa que não existe


Onde a cidade acaba em chácaras quietas
e a campina se alarga em sulcados caminhos
achei a solidão amiga dos poetas
numa casa que é ninho, entre todos os ninhos.

Térrea, branquinha, com portadas muito largas,
desse azul português das antiquadas vilas
e uma decoração de laranjas amargas
que perfumam da tarde as aragens tranqüilas.

Ergue-se no pendor suave da colina,
escondida por trás dos eucaliptos calmos;
tem jardim, tem pomar, tem horta pequenina,
solar de Liliput que a gente mede aos palmos ...

Neste ponto, a ilusão, a miragem, se some;
olho para você, eu triste, você triste.
Enganei uma boba! O bairro não tem nome,
a estrada não tem sombra, a casa não existe!

Afonso Schimdt
Brasil

O leito



O leito conserva
o sono e o sonho
da mulher amada.
A macia espádua,
o ventre de lava,
o braço e a espada,
a mão e a chave,
a areia do seio.

No corpo da mulher,
o leito feito pássaro adormece.

António Rebordão Navarro

15.1.10

A Nossa Casa




Ambição
minha e da Maria
foi termos uma casa nossa
onde nos contarmos os cabelos brancos.

Sonho realizado.
Casa definitiva já temos.
Lote 42.
Talhão 71883.
Fachada pintada a cal.
Classica arquitectura rectangular.
Uma via asfaltada com um único sentido.
Tudo sito no derradeiro bairrismo
que é morar no bairro de Lhanguene.

Pelo menos envelhecer já não é problema.
O resto na altura mais propícia
surgirá por si.

Parece que está por pouco.
Na lista onde eu consto
É injusto que tarde
estarmos juntos.

José Craveirinha
Moçambique

Duplo Império



Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.

Pedro Mexia

12.1.10

Nocturno



O desenho redondo do teu seio
Tornava-te mais cálida, mais nua
Quando eu pensava nele…Imaginei-o,
À beira-mar, de noite, havendo lua…

Talvez a espuma, vindo, conseguisse
Ornar-te o busto de uma renda leve
E a lua, ao ver-te nua, descobrisse,
Em ti, a branca irmã que nunca teve…

Pelo que no teu colo há de suspenso,
Te supunham as ondas uma delas…
Todo o teu corpo, iluminado, tenso,
Era um convite lúcido às estrelas….

Imaginei-te assim à beira-mar,
Só porque o nosso quarto era tão estreito…
- E, sonolento, deixo-me afogar
No desenho redondo do teu peito…

David Mourão-Ferreira

11.1.10

Quantas vezes



Quantas vezes te esperei neste lugar
quantas vezes pensei que não chegavas
quantas vezes senti a rebentar
o coração se ao longe te avistava.

Quantas vezes depois de teres chegado
nos colámos no beijo que tardava
quantas vezes trementes e calados
nos entregámos logo sem palavras.

Quantas vezes te quis e te inventei
quantas vezes morri e já não sei.

Torquato da Luz

10.1.10

Sou voraz


Sou voraz
não me apego
ao abrigo da alma
Sou o corpo
o incêndio
só o fogo
me acalma

Maria Teresa Horta

9.1.10

Paradoxo Ornitológico




Um dia, um homem transformou-se em pássaro e
voou à volta da mulher que esperava que um
pássaro se transformasse em homem.

Nuno Júdice

7.1.10

Esta noite


Esta noite dormi perdida, entregue nos teus braços,
saciada e exausta,
deitei-me de ventre para baixo, nua,
deitada por cima de ti,
embriagada pelo teu cheiro, o calor do teu corpo,
as tuas entranhas, o teu abdómen,
as tuas mãos, nas minhas costas,
o teu abraço guardando-me profundamente,
para que não fugisse,
para que não quebrasse o nosso laço de cumplicidade,
adormecido estavas entregue a mim,
longe de tudo e de todos,
queria chamar-te para que me possuísses novamente,
mas o teu sono era tão profundo,
em paz, que fiquei ali,
somente a contemplar-te como podias ser meu,
sem estares ali, mas mesmo assim,
fazendo parte deste meu sonho desperto.

Sónia Sultuane
Moçambique

6.1.10

Filho



Nicolau, menino, entra.
Onde estiveste, Nicolau,
que trazes a arrastar
o teu brinquedo morto?

Nicolau, menino, entra.
Vem dizer-me onde foi que tu estiveste
e a estrela fugiu das tuas mãos.

Tens comigo o teu catre de lona velha.
Deita-te, Nicolau, o fantasma ficou lá longe.

Dorme sem medo.
Porão, roça, medos imediatos,
tudo ficou lá longe.

Quando acordares a jornada será mais longa.

Nicolau, menino,
onde foi que deixaste
o corpo que te conheci?
Deus há-de querer que o sono te venha depressa
no meu catre.


Oswaldo Alcântara
Cabo Verde

5.1.10

A Pomba para o Cheina



Pontos de vista
entrecruzam as balas
e nós ensaiamos a pomba
desenhando-a encurvando-lhe
o dorso antes do voo
largando-a no prisma puro
dos olhares da multidão
Logo uma estrela fugaz
se lhe cola ao bico
Rodopiará no céu entre colunas
colossais de cogumelos
e sóis que a inflectem
mas bem aninhada no oco
habitáculo de penas
com a chave em nossa mão.

Sebastião Alba
Moçambique

2.1.10

Assim o Amor


Assim o amor
Espantado meu olhar com teus cabelos
Espantado meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas
Tardes que oscilam demoradas
E um confuso rumor de obscuras vidas
E o tempo sentado no limiar dos campos
Com seu fuso sua faca e seus novelos

Em vão busquei eterna luz precisa

Sophia de Mello Breyner Andresen


1.1.10

Esperança



Esperança:

Isto de sonhar bom para diante
Esperança:
eu fi-lo perfeitamente,
Para diante de tudo foi bom
bom de verdade
bem feito de sonho
podia segui-lo como realidade

Esperança:
isto de sonhar bom para diante
eu sei-o de cor.
Até reparo que tenho só esperança
nada mais do que esperança
pura esperança
esperança verdadeira
que engana
e promete
e só promete.
Esperança:
pobre mãe louca
que quer pôr o filho morto de pé?

Esperança
único que eu tenho
não me deixes sem nada
promete
engana
engano que seja
engana
não me deixes sozinho
esperança.

Almada Negreiros