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28.2.11

O imperfeito do conjuntivos como se os impérios se dobrassem





há talvez uma por quase janela
atravessada ênclise no entanto perdida parede
o cão acorrentado na transcrição seguinte
ou melhor a miséria em cada bassorá sobre o papel
corre denso quase até a grossura
certamente a vassalagem margens mais baixas
no paladar crude olho as monarquias
o que mais me perturba
porque não são quaisquer decibéis
só espiga no rosto dessa gente
dada sombra a luz suspende-se em terra firme
quisesse reduzida fronteira
sobre a mesa bagdade ao jantar
mar exuberante rosa
perdura o imperfeito do conjuntivo ainda
como se os impérios se dobrassem
satisfeita a sede já trazem vísceras a mais nesta janela

Abreu Paxe
Angola

25.2.11

Blasfémia


No relicário que te acolhe
é-me angustioiso supor
o labor das areias
na madeira.

E meu pesadelo dos pesadelos
a iconoclasta muchém
no afã da sua lavra
orgiando-se voraz.

Blasfémia suprema
o festim.
José Craveirinha
Moçambique

24.2.11

Estava quase a morrer



Estava quase a morrer
quando viu chegar o padre
ainda teve tempo de o mandar
ir pregar para outra freguesia
antes de morrer

Joaquim Falé
Moçambique

22.2.11

Há momentos


Há momentos na vida de um Homem
Em que sabe que acordou diferente
E que já não é o mesmo para ele,
Mesmo que o seja para toda a gente...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Aquela que lhe trouxer
A flor do sexo
Desenhada a vermelho no ventre
E nada lhe perguntar...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma mulher
Aquela que lhe trouxer,
Num abraço total,
A ilusão da vida inteira...
E, depois, partir
Com a esperança de vida que ele semeou...

Há momentos na vida de um Homem
Onde só pode entrar uma Mulher
Para todo o Mundo se resumir
À flor vermelha
Como um bocado de sol
Que desponta numa telha!

António Cardoso
Angola

20.2.11

Poema para uma Saudade


Tudo em mim és tu
Quando a solidão cala-me a voz
E o olhar debruça-se sobre o mistério
Onde o amor e o sonho
Sussurram-me o que tanto sei
Uma intuição de gestos flagra-me os segredos
Anunciando-te no horizonte da saudade
Em vão interroga-me a tarde morna
Enquanto os abraços aconchegam-me em lembranças
E apenas o silêncio responde a minha inquietação
Para além de mim
Onde se cruzam pensamentos e anseios
Volta-se o meu olhar
Como se pronunciasse o teu nome
Cobre-se o céu em vigília
Com o manto negro da noite
Como se também ele aguardasse
O som dos teus passos
Para iluminar todo o meu universo

Fernanda Guimarães
Brasil

16.2.11

A garça estória fiscal dos Estados Unidos



cheira a glândula o sotaque de nuvens
por razão leitos de ontem
estreito sol a última rua da alma
pés na boca o repouso oco farol
istos jejuns
encharcado e puro quilo
a poça mesmo pano adensa-se
o esqueleto em cascata infixa os estados unidos
outra toalha mineral
apurava perfumes o tempo
carregava sozinho nossos corpos
na derivação ou composição suados e sujos
infinitos e esgazelados ora eufónicos
elegíveis duros rascunhos
dobram os sentidos do horizonte
aquilos na alma ficam os tentáculos envelheciam

Abreu Paxe
Angola

8.2.11

Palavras



Palavras que se dizem ao ouvido
quando nos queima a febre do desejo
e só ganham sentido
se sairem dos lábios como um beijo.
Palavras murmuradas no calor
da mútua entrega
a deixar claro que o amor
nunca sossega.
Palavras revestidas de veludo
para afagar a vida
e que no meio da corrida
são elas próprias quase tudo.

Torquato da Luz

7.2.11

Quando já não há nada


Quando já não há nada
absolutamente nada pra dizer
e cada dia te parece apenas
uma longa e inútil sequência
de vinte e quatro horas vazias

Quando uma folha de papel
é um deserto branco já sem rosto
um firmamento sem constelação
uma página nua, uma página
muda
há dois rápidos olhos que te falam
desde sempre da terra prometida

Consegues fixá-los Não tens medo?
Vê como arde súbito o seu gelo
no fundo das pupilas
e não hesites – rouba essa vertigem
ao coração da noite
porque às vezes não há outra saída
para algumas palavras que ainda podem
ser um arco uma flecha
perto do alvo que ninguém conhece

Fernando Pinto do Amaral

3.2.11

Precisão



O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.

O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.

Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.

O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

Clarice Lispector
Brasil

1.2.11

Piano solo


Há seres assim que se encerram
nos mais rasos e
desabridos campos onde
placas negras de xisto e rosa
ou grandes massas de pedra por vezes
entreabrindo laminadas estrias ocres
sem brandura
esse é o teu hirto gesto
o corpo reduzido a que
suporte apenas o rictus de um olhar
sonâmbulo e fixo e seu
trabalho dobrado sobre
as mãos escusas
já não carne: apenas
o espírito desse vento descampado
em tão cerrada e rente
soletração do tempo
tudo o mais é acre e breve riso
palavras ociosas e agitadas

(como se por elas
de tão brancas terras
te afastasses)

Maria Andresen

Prece


já não é!
tudo n'Ele fenece!
numa cruz crucificado
por mil espinhos trespassado
o seu corpo adormecido
já não quer
e arrefece

já nada resta
neste corpo amortalhado!
encobriu-se o sol poente
no horizonte
e fende ao meio, esta tarde fria,
faiscante raio.
há uma prece em agonia
põe-se mais cedo o sol
sem ocaso

Álvaro Giesta